The New Bahia: o que esperar do Tricolor de Aço sob controle do Grupo City – Placar
(Conteúdo publicado na PLACAR de fevereiro, edição 1508, já disponível nas bancas e em nossa loja no Mercado Livre)
“Surreal.” Essa foi a palavra mais usada pelos jogadores do Bahia para descrever a pré-temporada da equipe neste ano. Trocando os treinos sob o sol escaldante de Salvador pelo frio do inverno inglês, os atletas trabalharam nas instalações do Manchester City, dividindo espaço com astros do futebol mundial como Erling Haaland e Kevin De Bruyne – que, claro, foram tietados nas horas vagas com pedidos de fotos e autógrafos. Pep Guardiola exaltou Rogério Ceni, chamando o treinador de “lenda” do esporte por seus feitos como goleiro-artilheiro, e a delegação voltou para o Brasil impressionada com o nível da estrutura e o profissionalismo do campeão europeu.
Para além dessa experiência inesquecível, porém, a pergunta que fica para o mais novo clube a fazer parte do multibilionário Grupo City é: o Bahia pode mesmo virar uma potência nacional?
Dono de 12 clubes espalhados pelo mundo (veja os detalhes no mapa abaixo), o Grupo City oficializou a compra de 90% da SAF do Bahia em maio do ano passado, mas já tomava decisões desde o fim de 2022. A primeira temporada sob nova direção, porém, quase terminou em tragédia, com o time escapando do rebaixamento para a Série B na última rodada, mesmo tendo investido mais de 100 milhões de reais em contratações. A queda teria sido catastrófica para os planos, como o próprio CEO do Grupo City, Ferran Soriano, reconheceu ao receber os jogadores do clube baiano para a pré-temporada em Manchester. “Agora o nosso objetivo é outro”, disse o espanhol. “É fazer do Bahia campeão.”
A promessa para este segundo ano é aumentar ainda mais o investimento em reforços. As contratações miraram alto, caso do meia Everton Ribeiro, multicampeão pelo Flamengo, e dos volantes Jean Lucas e Caio Alexandre, que foram disputados no mercado por vários outros grandes times do país. Somados a bons valores trazidos no ano passado, como o meia Cauly e o atacante Biel, as bases para um time mais competitivo estão sendo construídas. Soriano já disse que a ideia é que o Bahia seja o segundo maior time do grupo, atrás apenas do Manchester City – o que, pelo perfil de time de massa, com a maior torcida do Nordeste, uma história rica e inserido em um contexto de “boom” econômico no futebol brasileiro, é plausível.
Como de costume no modelo brasileiro das SAFs, a meta de crescer e ganhar títulos de relevância nacional não está mais nas mãos do Esporte Clube Bahia. O controle do futebol é 100% do Grupo City, como detalha o presidente da associação, o ex-goleiro e ídolo tricolor Emerson Ferretti, recém-eleito para um mandato de três anos. “A gente acompanha todas as movimentações, mas, em última instância, a tomada de decisão é do Grupo City, como sócio majoritário. E a fiscalização do cumprimento das cláusulas do contrato entre Bahia e Grupo City também é dever do presidente”, explica. As operações do clube e da SAF são bem separadas – até as equipes de comunicação são diferentes. Por determinação da matriz, por exemplo, os dirigentes que comandam o futebol evitam dar declarações públicas. Internamente, a relação entre as partes é vista como “pacífica e harmoniosa” até o momento.
Por enquanto, porém, ainda não é possível afirmar com exatidão qual papel o Bahia terá dentro do novo império da bola. A origem do que hoje é uma gigante multinacional está no Abu Dhabi United Group, fundado pelo bilionário xeque Mansour bin Zayed, membro da família que comanda os Emirados Árabes Unidos, para comprar o Manchester City em 2008. Depois de assumir o controle de outros dois times – criou o New York City nos Estados Unidos e comprou o Melbourne Heart (hoje Melbourne City) na Austrália –, o grupo decidiu criar um braço esportivo para gerir as operações de futebol. Em 2013, nasceu o City Football Group, ou Grupo City, que não parou de se expandir desde então.
O modelo de negócios para os times “menores” do grupo está principalmente na captação de talentos e na revenda de jogadores em busca de lucro. Com a óbvia exceção do Manchester City, nenhuma equipe realmente subiu de patamar no que diz respeito a conquistas dentro de campo. Mais da metade dos títulos de times do grupo (30 de 49, contando equipes masculinas e femininas) são do próprio City. O Montevideo City Torque, por exemplo, já foi rebaixado duas vezes no Uruguai desde sua aquisição, em 2017 – por outro lado, nunca tinha disputado a primeira divisão antes disso. Além disso, lançou nomes como o zagueiro Nahuel Ferraresi, hoje no São Paulo, e o atacante Taty Castellanos, que brilhou no New York City e atualmente defende a italiana Lazio, cumprindo seu papel de formador e vendedor de jovens talentos.
Com uma vasta rede de observadores na América do Sul, o Grupo City também já investiu em várias promessas brasileiras, mas os resultados, até aqui, não são empolgantes. A maioria falhou em atingir seu potencial, como o ponta Kayky, um dos jovens mais promissores do país na base do Fluminense, que teve empréstimos malsucedidos para o português Paços de Ferreira e o próprio Bahia. Nomes como os volantes Douglas Luiz, ex-Vasco, e Vinícius Souza, ex-Flamengo, só deslancharam depois que foram vendidos para times de fora do grupo. Um caso apontado como sucesso é o do atacante Gabriel Pereira, comprado do Corinthians por 5 milhões de dólares para o New York City e revendido pelo dobro do preço para o Al-Rayyan, do Catar, após um ano e meio. Esse é o “jogo”: comprar, desenvolver, revender, lucrar.
Muitas vezes os garotos são atraídos pela possibilidade de um dia vestir a camisa do Manchester City ao assinar com o grupo, mas a his- tória mostra que esse é um fenômeno raríssimo. O único exemplo de jogador comprado pelo grupo que conseguiu cair nas graças de Guardiola e fincar espaço no time inglês é o ucraniano Zinchenko, que hoje defende o Arsenal. O caminho para jogar no campeão mundial dificilmente passa por empréstimos para os “times-satélites”, que não costumam obter feitos relevantes.
A exceção que confirma a regra, como diz o ditado, é a surpreendente campanha do Girona no atual Campeonato Espanhol, em que o time catalão embarcou em uma disputa palmo a palmo com o Real Madrid pela taça. Mas ninguém, nem mesmo dentro do Grupo City, esperava esse nível de desempenho, muito mais atribuído ao excelente trabalho do técnico Míchel do que a qualquer investimento extra dos proprietários. Os brasileiros Yan Couto, lateral-direito, e Savinho, atacante, são tidos como dois dos jovens de maior potencial entre os contratados do grupo. Ainda assim, a possibilidade de serem revendidos é maior do que a de um dia defenderem o elenco principal do City.
O sonho do torcedor do Bahia, claro, é repetir o conto de fadas que vive o Girona e desafiar clubes mais tradicionais no Brasil. Mas, mesmo se isso não acontecer a curto prazo, os benefícios de fazer parte de um conglomerado gigante e endinheirado não se restringem ao desempenho esportivo. O Grupo City se comprometeu a aplicar 300 milhões de reais no saneamento de dívidas, por exemplo, além de aportes em infraestrutura, categorias de base e projetos sociais. “O investimento, em um primeiro momento, está sendo só no futebol, mas eles têm uma preocupação social muito grande, que casa com nossas ações. Teremos projetos juntos também em esportes olímpicos”, diz Emerson Ferretti.
O Bahia já sente a diferença. Além dos reforços de peso, conseguiu manter sua base – Cauly, por exemplo, recebeu proposta do Palmeiras, mas ficou. A apaixonada torcida tricolor embarca de cabeça na “onda City” e já ostenta orgulhosamente a nova camisa azul-celeste, marca registrada dos times do grupo, ao lado do tradicional uniforme branco, vermelho e azul nas arquibancadas da Arena Fonte Nova. Esta temporada deixará mais claro se o time é só mais um satélite do todo-poderoso City ou se pode mesmo sonhar em brigar por títulos de expressão nacional. Como o próprio Soriano já afirmou, o Bahia é diferente.
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