BDM tomou conta do Pelô: o que faz a facção manter o domínio do maior cartão-postal da Bahia? – Jornal Correio
CENTRO HISTÓRICO
Depois de entrar no Subúrbio e Cajazeiras, facção ocupa o Centro Histórico numa nova estratégia de mercado
Bruno Wendel
Publicado em 20 de maio de 2024 às 05:00
O Pelourinho não é mais aquele. O cartão-postal mais famoso da Bahia está há mais de 10 anos sob o comando da maior organização criminosa do estado, o Bonde do Maluco (BDM). Suas iniciais estão espalhadas por transversais, ruas, muros e vários pontos, que demarcam a força de um comércio varejista de droga.
A proximidade com o Porto de Salvador é apontado por especialistas como o principal motivo de o Pelô, coração do Centro Histórico da capital baiana, estar com suas artérias entupidas pela insegurança.
“O porto ainda é a forma de transporte internacional de mercadorias de produtos legais e ilegais, como armas e drogas, e não seria diferente no Porto de Salvador. Embora haja uma triagem por amostragem no embarque e desembarque de contêineres, muitas dessas cargas ilegais saem dos navios que estão em fila para atracarem no Porto de Salvador, principalmente quando há cruzeiros, embarcações maiores, e por isso ocupam mais espaço no porto. A carga é lançada para os barcos, que fazem o restante do transporte”, declarou Wagner Moreira, do IDEAS Assessoria Popular e do Fórum Popular de Segurança Pública da Bahia.
Um dos grupos criminosos mais atuantes na Bahia, e considerado o mais violento, o BDM surgiu em 2015 no pavilhão V do Presídio Salvador, no Complexo Penitenciário da Mata Escura. Liderada pelo assaltante de banco Zé de Lessa, morto em dezembro de 2019, a facção nasceu como uma ramificação da então Caveira, organização extinta facção em 2017.
De forma estratégica, o BDM foi entrando nos conjuntos populares do governo federal, como o Minha Casa Minha Vida, na região do Subúrbio, e depois avançou para outras áreas da cidade, como Cajazeiras. Então, numa nova leitura de mercado, o BDM se estabelece no Pelourinho, a partir também de um outro fator: o grande número de casarões abandonados.
“O Pelourinho ainda é hoje um bairro com muitos imóveis vazios ou subutilizados e isso abre muita margem para territórios não ocupados, sem vida, sem morador, sem cotidiano social. É uma região estratégia para guardar armas e drogas que chegam ou que vão para o Porto de Salvador. Um estudo feito pelo Escritório de Referência do Centro Antigo de Salvador (Ercas), órgão da Conder, mapeou 1.300 imóveis vazios ou subutilizados em 2012”, explicou Wagner Moreira.
O Centro Antigo de Salvador (CAS) corresponde à área do Centro Histórico e seu entorno (e suas instalações tombadas) – um conjunto de dez bairros que tem valor histórico e cultural: Centro Histórico, Centro, Barris, Tororó, Nazaré, Saúde, Barbalho, Macaúbas, Liberdade (parte do espigão), Comércio e Santo Antônio Além do Carmo.
O especialista em segurança pública o coronel Antônio Jorge, do curso de Direito do Centro Universitário Estácio FIB da Bahia, concorda com todos os pontos já apresentados por Moreira e ainda acrescenta: “Os casarões abandonas facilitam porque os vendedores de droga não ficam com grande quantidades, mas com quantidade suficiente para vender, pois se forem presos, têm a justificativa que é para consumo próprio”.
No ano passado, um homem foi morto na Sexta-feira de Carnaval, na Rua Carlos Gomes, trecho próximo à Ladeira da Montanha – na hora passava o Bloco Amor e Paixão. A polícia disse, na ocasião, que as armas usadas pelos assassinos já estariam dentro do Circuito Osmar, escondidas em um dos casarões, o que justifica o crime, pois os acessos à festa contavam com portais de abordagens.
Ainda segundo as investigações, Marcos Souza Menezes, 27 anos, foi baleado por três homens, por volta 4h, e o motivo seria a guerra do tráfico entre a Gamboa de Baixo e Centro Histórico.
A questão da relação entre a oferta e a demanda por entorpecentes é um outro fator. “Muitos turistas vão ao Pelourinho não só para contemplar a beleza do local, mas também atrás de drogas, buscando as pessoas certas em determinadas ruas, bares específicos, que sabem os códigos, as artimanhas para conseguir as substâncias e evitar as apreensões e prisões”, apontou Moreira. Ele destacou outro fator que atrela o BDM ao Pelô: o Centro Histórico está localizado numa região perto de bairros como Canela, Graça e Corredor da Vitória.
“É a tática para consolidar o espaço de mercado, para atender a demanda consumo da classe média e alta de Salvador”, disse.
O principal adversário do BDM, o Comando Vermelho (CV) não está no Pelourinho, mas também não está distante da região. A segunda maior organização criminosa do país controla o tráfico de drogas na Gamboa de Baixo, região próxima ao Centro Histórico. Mas por que o CV não chegou ao Pelourinho?
“Quando você tem uma área de sedentarização, que já se concretizou, então não há conflito, não há disputa pelo espaço, a não ser que uma outra organização queira, o que acho muito difícil”, pontuou Antônio Jorge.
“O Pelourinho é uma área com mais policiamento que outras regiões da capital, tem um Batalhão da PM e uma Delegacia Especializada do Turista (Deltur) e muitas câmeras, e isso dificulta a incursão de uma facção rival para tomar o território. Já os outros bairros não há um policiamento diuturno. É feito com viaturas. Quando há uma situação mais grave, existe a ocupação temporária”, explicou Antônio Jorge.
O CORREIO procurou a Guarda Civil Municipal de Salvador (GCM). Em nota, a GCM informou que cabe às polícias Civil (PCBA) e Militar (PMBA) investigar situações deste tipo. A reportagem buscou também o posicionamento da PCBA e da PMBA e da Secretaria de Segurança Pública. No entanto, as demais instituições não se posicionaram até o momento.
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